30 de janeiro de 2024

A velha Árvore e a Casinha Branca Solange Lisboa

A velha Árvore e a Casinha Branca Solange Lisboa

Eu era uma pequena árvore, ainda muito jovem, quando ergueram você aqui. Primeiro cavaram para os alicerces, tiveram cuidado para não danificar minhas raízes, planejaram o telhado, levantaram as paredes, prepararam janelas e portas, fizeram uma cerca branquinha, logo veio um casal morar, cuidar de você, pintar suas paredes; a senhora plantou flores no jardim, e então as borboletas apareceram enfim.

Às vezes eu temia que me cortassem ou me tirassem daqui, por conta da bagunça que eu fazia: eu não podia controlar a queda das minhas folhas, nem impedir que voassem, e acabavam por sujar todo o jardim. Tentava me segurar quando chegava o outono, mas era impossível, pois o meu processo natural é perder as folhas para que se renovem.

E assim, após um tempo, nasceram os filhos do casal: um menininho; dois anos depois, duas garotinhas gêmeas e finalmente, após um pequeno período, mais um garotinho.

Com o tempo, perdi o medo de ser incômoda, pois percebia que meus ramos e minhas folhagens faziam uma sombra e traziam refrigério para a minha família, era assim que me sentia, como parte da vida daquelas pessoas; sempre as protegia do sol e minhas flores deixavam um aroma de primavera, quando vinham os passarinhos, que faziam seus ninhos e cantavam suas belas cantigas e isso era motivo de alegria para todos da casa.

Sentia que gostavam da minha presença; os pequenos brincavam ao redor, se escondiam em volta de mim, e cresceram assim. Tão depressa que nem percebi.

De repente eram jovens, moças e rapazes e quando tristes ou chateados se abrigavam em minhas sombras, ouvia suas conversas, conhecia-lhes os segredos, suas paixões de adolescentes. Tenho muitos corações desenhados em meu caule.

Quando viajavam nas férias, eu ficava ansiosa esperando o retorno, as histórias eram sempre contadas à minha sombra nos finais de tarde, e até arrumavam a mesa para uma ceia, e se alegravam até aparecerem as primeiras estrelas.

Mas o tempo passou, eles cresceram, foram estudar longe, conheceram outros amigos e confidentes e eu fiquei aqui; só nas férias da escola eles estavam em casa, mas saiam para festas e conheceram seus futuros esposos e esposas, casaram-se e foram morar distante. O casal mudou-se para um apartamento, segundo eles, mais seguro.

Eu fiquei aqui, presa nesse chão, com todas as histórias ouvidas e vividas com eles, que fizeram parte dessa casinha, das minhas sombras, de tantas mudas de folhas durante as estações.

A casa está vazia, as janelas não se abrem mais pela manhã, o sol não faz mais sombras pela sala e as minhas folhas acumuladas apodrecem no que um dia foi um jardim de borboletas e joaninhas.

A casinha muda e solitária, sem os sorrisos, as brincadeiras, sem os varais cheios de roupa de todas as cores; o velho tapete, que antes tão desejado, foi esquecido no meio da sala cheia de móveis que também ficaram, por não haver lugar para eles na nova morada.

Agora nas estações chuvosas, com suas paredes desbotadas e o tristonho telhado, precisando de reparos, nós olhamos com doçura, a casa por guardar as lembranças com tanta ternura, e eu por guardar no meu tronco, os corações de todas aquelas paixões e infantis aventuras!!

Solange Lisboa 20/11/2023

Escritora/Poeta

@solnlisboa

[email protected]

 

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