23 de abril de 2024

Meu troféu!

Meu troféu!

É tristeza, é saudade, melancolia, banzo de um tempo que foi tão curto, insuficiente, mas precioso, e reteve toda a minha energia. O meu primeiro, talvez único amor, foi embora, sem pestanejar, e eu fiquei presa naquela cena, como um filme que congelou e não consegue avançar. Meus sonhos ficaram retidos naquela tarde de 1984.

E hoje, bateu uma nostalgia e aqui estou eu, sentada na cadeira em frente ao notebook, a imensa bancada, os livros, os meus amados porta-retratos, todos me olham silentes, com expressões inquisidoras.  Até a pequena escultura branca, que se destaca no ébano da estante, apresenta neste momento uma expectativa serena, em sua perfeita simetria e frieza.

Fico olhando, quero escrever, busco a inspiração; minhas mãos repousam no colo, há um gorjear de pássaros nas árvores distantes, um som causado pelos passos na calçada embaixo da minha janela, a buzina dos carros, as sirenes de ambulância, as risadas alegres de crianças voltando para casa, depois da escola. Quando estamos tristes, parece que o mundo inteiro a nossa volta, está em festa…

As sombras do sol que invadem o ambiente ao entardecer, começam gentilmente retirar-se pelas nesgas das cortinas. A claridade do dia vai dando lugar ao crepúsculo, e é sempre uma festa chegar ao fim de mais uma jornada de escritas e criações, ganho que tive com a ausência de um principesco amor, mas hoje, nem os bem-te-vis, vieram beber a última água do dia; as flores da janela que tremulam com a brisa, estão imóveis, como petrificadas em suas coloridas floreiras.

Joguei o corpo para trás até sentir a colchão em minhas costas, fitei os olhos no teto e assim permaneci, como uma casca vazia de algum fruto, que não foi colhido: nasceu, madurou, secou e apodreceu sem ser notado, e desprende-se da árvore, foi parar nas sombras entre as folhas secas de outono.

Mas há que seguir o universo, e nascer outros dias, e muitos despontar de sol e seu ocaso, e ainda estarei aqui cheia de esperança como sempre houve, depois de uma leve e momentânea prostração, vem o gosto pela vida e acena da minha janela, em muitas cores, asas de pássaros, borboletas e joaninhas.

Há um jardim dentro do meu coração, que floresce em todas as estações, e ele que me faz levantar, respirar fundo, voltar para a bancada e entornar nas páginas em branco um estro poético que constitui meu troféu; morreu o amor no teu peito, eu fiquei desse jeito, mas sou vitoriosa, pois herdei a inspiração e todas as estrofes, contém o ritmo e a batida do meu coração, e é minha companhia, meu refúgio que me impulsiona, me retira do fundo do oceano e me leva à tona!

Solange Lisboa

22/04/2024

@sollisboapoeta

[email protected]

 

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