27 de novembro de 2020

Drama

Drama

Isso é um desabafo! A necessidade de cuspir o que tenho carregado dentro de mim tem se tornado sufocante demais para que eu continue guardando.

Ela foi embora. Simples assim, sem despedida, sem qualquer chance para conversarmos e talvez nos entendermos. Soube a pouco que minha ex-noiva (é tão estranho pensar em Laura como não sendo minha) embarcou para Manchester, rumo a sua nova vida. Sim, porque qual outro motivo ela teria para mudar de continente além de buscar novos caminhos?

Eu sempre soube que se um dia ela tivesse de escolher entre sua carreira e qualquer outra coisa ou alguém não haveria dúvidas ou chances para hesitação. Mas isso não faz com que a dor da rejeição seja menor.

 Pergunto-me como seria se eu tivesse aceitado, como em todas as outras vezes, que ela saísse da casa de nossas amigas e depois agisse como um verdadeiro cordeirinho, inocente e ingênua, passível de todo perdão. Era sempre assim. O celular tocava, ela se retirava para atender e ao voltar seus olhos já tinham uma expressão determinada em correr tanto quanto possível para salvar a vida seja lá de quem fosse. E eu? Bom, não foram um ou dois jantares desmarcados nem uma ou outra noite terminada sozinha, mas ela sempre voltava com aqueles malditos olhos verdes de cachorrinho molhado que sempre me amoleciam. Sempre tive medo de como seria se um dia fosse necessário essa escolha e bem, ao que parece eu tinha razão para isso.

Não posso negar que estou feliz por ela. Essa vaga era provavelmente era o sonho da sua vida! Ela tentou e se esforçou muito para isso e eu como boa companheira a apoiei e até ajudava-a estudar e quando sequer recebemos uma resposta (ela dizia que o reconhecimento seria mútuo) eu não poderia dizer como foi decepcionante, e então lá estava eu outra vez, cuidando e oferecendo todo meu carinho e apoio.

Seria hipocrisia dizer que não haveria consequências caso Laura fosse aceita, afinal, seria um ano inteiro longe dela, mas eu não ousaria ser empecilho, aquele era o seu desejo e o meu era fazê-la feliz.

 Agora eu fico até satisfeita que já tivéssemos rompido quando ela se foi, penso que a dor seria maior ao me dar conta de que novamente fui trocada e remanejada para segundo plano e essa sensação só piora quando as pessoas agem como se eu fosse quebrar a qualquer momento, não que às vezes eu mesma não pense que isso pode acontecer. Masoquista talvez? É… Talvez.  Mas à medida que o tempo passava eu me dava conta de que ter um pouquinho de Laura era infinitamente melhor que não ter nada.

Com ela não era simplesmente sexo, era amor. Sempre fizemos amor. Porém, aprendi a lidar com isso, de modo que, com ele era prazeroso de um jeito diferente. No início eu me sentia culpada, como se a estivesse traindo, mas essa sensação foi me deixando pouco a pouco.

Os anos se passaram e por mais pessoas que conhecesse e algumas até conseguiam mais que beijos (e com isso quero dizer homens e mulheres) ninguém era o bastante para substitui-la. Ninguém era ela.

Entreguei-me ao meu trabalho e cresci a ponto de poder escolher o que eu queria ou não fotografar e isso tinha de me bastar. Saía com as garotas, curtia algumas horas e depois voltava para meu apartamento vazio. Nunca me atrevi a levar ninguém para lá, nem mesmo Otávio, quando ficávamos. Aquele lugar permanecia intacto e intocável, assim como meu coração.

Foi na festa de aniversário de casamento do casal Jauregui que o muro construído ao meu redor começou a ruir. Eu estava numa viagem para descansar a mente e não conseguiria chegar a tempo, não fosse por meu amigo piloto me encontrar durante uma manhã no aeroporto onde eu discutia com a atendente por uma passagem. Ele resolvera tudo e naquela noite lá estava eu no imenso gramado da mansão. Eu acabara de chegar quando a vi. Ela usava um longo vestido vermelho que contrastava de modo extraordinário com sua pele clara. Seus cabelos estavam mais curtos do que me lembrava. Mas foi quando ela se voltou para mim que senti meu coração falhar. Aqueles olhos que tanto me fizeram falta me encaravam assustados, confusos e… Tristes. Aquele verde outrora brilhante estava nada mais que fosco. Opaco. Sem vida. Naquele instante tive uma única certeza. Talvez ela ainda fosse aquela Laura workaholic incurável, absurdamente fofa e uma verdadeira chata de galochas. Mas ela ainda era a minha chata de galochas.

 

Fonte: Minerva Scarlet

 

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