O valor de uma escolha – Cap. 17
Por Minerva Scarlet (*).
Muito pior que ser desprezado por quem amamos é ser tratado com total indiferença. Há exatas duas semanas Camila me deixou. Não que tenhamos rompido de vez, mas por todos esses dias ela tem me ignorado.
Sinceramente, não sei mais o que fazer para que ela me perdoe, mesmo que eu não acredite que esse seja um caso para ser perdoada. Mas, o que eu não faria por ela? O que eu não faria para ser o motivo do seu sorriso mais vez mais?
Dizer que estou acabada seria pouco. Por mais que eu tente, as pessoas sabem que tem algo errado, embora apenas minhas amigas saibam a razão. Basicamente tenho me mantido informada sobre Camila através delas, de Ally, principalmente.
Ainda assim é insuficiente. Sinto como se um pedaço de meu coração tivesse sido arrancado. Na verdade, acho que é bem mais que isso. A dor já não é mais emocional, meu corpo todo sente a falta dela. Camila é meu bem maior. Nada faz sentido sem ela.
Eu tentei ir até seu apartamento, mas minha entrada no prédio já não é permitida. Descobri isso quando, naquele mesmo dia fui atrás dela. Desde então é assim. Eu pergunto à Ally, ela me responde. Ela me conta algo e eu quero mais informações. Tudo o que Camila faz me interessa, não importa quão insignificante seja, a menor parte dela é tudo para mim.
Mas se existe algo estranho nisso tudo é que eu não derramei uma lágrima sequer. Não consigo. Não tenho forças para chorar. Tudo o que tenho feito nesses últimos dias é sempre no automático.
Só o que me prende à minha sanidade, é o fato de ela não ter me devolvido o anel. Talvez não esteja usando, mas ao menos não recebi nenhum envelope com a joia dentro. Agora, sentada no sofá da minha sala, tudo me parece frio e impessoal demais. Ironicamente é um sábado à noite e estou de folga. Meu celular permanece o tempo todo em minhas mãos, e, muito embora as esperanças de que ela me responda tenham deixado de existir a tempos, segura-lo me proporciona uma falsa sensação de estar fazendo algo. A sensação de que tudo se ajeitará, quando sei que isso não é possível.
Tento enganar a mim mesma de que juntas resolveremos toda a situação, mas lá, bem escondidinho em meu íntimo, meu coração sangra por saber que perdi a única pessoa que já fui capaz de amar. Talvez por minha culpa. Talvez por culpa dela. Talvez por culpa de ambas, mas muito provavelmente não há verdadeiro um culpado.
Há dois dias, entre a correspondência que nem faço questão de olhar, algo me chamou a atenção. Era um convite para terminar minha residência médica num dos maiores hospitais de Manchester. Eu tentei essa vaga há dois anos, mas apenas agora fui aceita. Lembro-me perfeitamente de que Camila foi à pessoa que mais me incentivou e apoiou. Foi também a que me consolou quando, com o passar dos meses eu sequer recebi uma resposta. Eu já havia me esquecido dessa “decepção” e agora, bem no meio dessa confusão que minha vida se tornou, ela vem para me arrasar ainda mais.
Há algum tempo eu teria me considerado a mais felizarda dos seres vivos, mas hoje, tudo em que consigo pensar é que eu estaria ainda mais distante dela. O que importa que ela já não me queira se ainda posso passar horas diante de seu prédio na ânsia de vê-la, mesmo que por breves momentos? Qual a importância desse convite, frente às oportunidades que teria de esbarrarmos pela cidade?
Desbloqueio meu celular mais uma vez, mesmo que ele tenha permanecido em silêncio todo o tempo. Nada.
Suspiro.
Pergunto-me o que ela diria se soubesse que eu finalmente conseguira a “tão almejada” vaga. Arrisco-me a dizer que Camila seria uma de minhas maiores incentivadoras. É sabendo disso que me decidi. Se havia ainda alguma forma de fazê-la feliz e sentir-se orgulhosa de mim, então eu já não ligava a mínima para a dor que isso me causaria.
Eu só preciso ser corajosa o bastante para seguir adiante. E deixa-la seguir em frente. Na verdade, acho que essa é a parte menos complicada. Deixa-la seguir.
Camila sempre me teve por inteira.
Tudo em mim ama cada pedacinho dela.
Cada imperfeição sempre a fez ser perfeita para mim.
Minha vida sempre começou e com toda a certeza terminaria nela. Provavelmente não da forma tradicional, onde as pessoas se juram amor eterno numa cerimônia frente aos convidados, embora esse tenha sido sempre meu maior desejo, mas da forma em que minha alma estará sempre conectada à dela.
Aristóteles, ou ao menos acho que tenha sido ele, disse que “amar é mudar a alma de casa.”. Acho que no fundo eu até concordo, afinal, amar é entregar toda sua alma, sem se importar se ela terá uma casa onde morar.
Foi assim comigo. Nunca relutei contra meus sentimentos. Nem poderia. Não queria.
Eu pedi tudo de Camila. Em troca lhe dei tudo de mim. Arrisquei. Por bem pouco quase consigo o prêmio maior. Uma casa para minha alma. Mas esse pouco, hoje deixou de existir para se perder no espaço do tempo que eu levaria para arranca-la de mim. Tempo esse que jamais existirá.
Amo todos os seus limites, e não me importo se o maior deles é me amar como eu a ela. Realmente não me importo. Porque até mesmo isso me faz ama-la incondicionalmente. Quando me entreguei, soube que seria de forma plena e irrevogável. Arrisquei. Dei tudo de mim. E daria ainda mais se assim ela desejasse.
Eu desistiria de tudo se ela me pedisse. Abriria mão de minha vida e tudo pelo que lutei se Camila me pedisse. Mas aí então já não haveria o que lhe dar.
O coração acelerado.
O tempo todo acreditando que sempre encontraríamos uma à outra.
Cada suspiro.
Cada toque.
Eu morreria todos os dias esperando por ela. Sem medo. Por ela.
Mas o tempo para isso se passou.
Eu teria desistido de mim mesma. Mas então não haveria nada mais o que oferecer.
Sem que eu perceba, lágrimas finalmente molham meu rosto.
Nunca me senti tão pequena.
Queria gritar para que ela fizesse algo, porque estou desistindo dela.
Queria me desculpar por não ter conseguido chegar até ela. Não da forma como ela sempre quis.
Minha cabeça nunca esteve mais confusa.
Quando me dou conta, meu corpo se curva, quase em posição fetal, buscando proteger-se da dor.
Seu amor é tudo de que sempre precisei.
Mais difícil que ficar longe de Camila é ficar perto. Próxima.
Nunca foi tão difícil respirar.
Estou presa. Sufocando.
Talvez esperasse uma explosão de lágrimas raivosas. Talvez isso doesse menos. Mas não.
Tão difícil segurar a dor ao me lembrar de como é tê-la em meus braços.
Eu poderia espera-la toda uma vida. Mas preciso deixa-la seguir em frente. E como eu já disse, essa é a parte menos complicada, porque Camila merece tudo isso. Mas para mim, seguir em frente é quase impossível, porque não quero deixar isso tudo para trás. Nunca.
Eu não quero ter que dizer adeus mesmo sabendo que já é hora e isso dói.
Sei que ela se cansou. E por isso não tenho direito de lutar, por isso estou desistindo dela. Porque não quero que nos transformemos em duas estranhas.
Sinto e sei que não teremos um amanhã juntas, porque seu amor se cansou.
Não foi o bastante.
Eu quero tocar tudo o que ela toca. Quero ser aquela que a afastará da dor. E é por isso que estou indo. Porque estar próxima a ela já não é o suficiente.
Não quando a cada fôlego, meu coração volta a se quebrar e quebrar e quebrar e quebrar…
Não quando eu me apaixonei por seu olhar e por ela me tornei mais frágil.
Dor. É só o que sinto. Tudo dói. Tudo.
Ela pode quebrar tudo em mim. Não se compararia a dor de saber que não fui o suficiente.
Então este é o fim. É quando tudo desmorona.
Eu poderia dizer que tentei. Mas só o que sinto é a dor de ter partido seu coração em pedaços.
“Existem pessoas em nossas vidas que vem e passam. Existem pessoas que vem e ficam. E existem ainda outras que vem e passam, mas com uma enorme vontade de ficar.”
Como Camila dissera, acabou. E isso dói terrivelmente.
Mas ainda assim, eu não quero nem posso seguir em frente.
Mas ela sim. É para isso que estou passando por toda essa angústia. É para isso que estou me quebrando, estilhaçando cada minúsculo pedaço de minha alma. Por ela estou saindo de cena. Para que ela siga em frente. Porque, por ela, por Camila, tudo. Sempre.
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(*) Escritora.