Um conjunto de convênios e termos aditivos de repasses de recursos da Prefeitura de Adamantina à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, no período de 2015 a 2018, fiscalizados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), foram apontados como irregulares pelo órgão. Todavia, a estrutura fiscalizadora descarta desvios, prejuízos ao erário ou indício de malversação dos recursos. A fiscalização aponta deficiências na gestão, prestação de contas e relatórios dos convênios, que levaram a considerá-los irregulares.
A decisão do órgão foi comunicada pelo TCE/SP à Câmara Municipal de Adamantina, que na última segunda-feira (13), durante a sessão ordinária, tornou público o Ofício CGC.ARC Nº 1051/2021, de 9 de agosto de 2021, onde o conselheiro Antonio Roque Citadini relaciona 10 expedientes processuais abertos nos procedimentos de fiscalização dos convênios, sua execução e prestação de contas. O período envolve os mandados dos ex-prefeitos Ivo Santos e João Eduardo Barbosa Pacheco, e o atual, Márcio Cardim.
Os convênios têm como objeto a prestação de serviços médico-hospitalares especializados de pronto atendimento, urgência e emergência, aos munícipes, com médicos, paramédicos, equipes de apoio e equipamentos necessários. Na prática, trata-se do custeio dos serviços realizados no pronto-socorro, prestados pela Santa Casa. O volume de recursos públicos, nesse expediente de fiscalização, soma R$ 14.009.050,00.
Na mesma segunda-feira, nesta semana, a Câmara Municipal tornou pública outra fiscalização do TCE/SP, que apontou possíveis irregularidades na licitação realizada pela Prefeitura de Adamantina para a compra de um carro zero quilômetro para a secretaria municipal de gabinete. A fiscalização apontou que teria havido restrição à participação na licitação e direcionamento.
Em nota solicitada pelo SIGA MAIS nesta terça-feira (14), a “Prefeitura de Adamantina informa que os dois ofícios do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que foram lidos durante a sessão da Câmara encontram-se sob análise da Procuradoria Jurídica do Município”.
O que apurou o TCE/SP
No documento do TCE/SP, referente à fiscalização de convênios e termos aditivos firmados entre a Prefeitura de Adamantina e a Santa Casa, são relacionados os processos eTC-12737.989-17, eTC-13542.989-17, 13547.989.17, 13551.989.17, 13554.989.17, 14064.989.17, 13009.989.17, 13012.989.17, 13013.989.17 e eTC-24839.989.19.
O SIGA MAIS teve acesso ao relatório de voto do conselheiro Antonio Roque Citadini, disponível no site do órgão. Quanto ao instrumento principal apurado pela fiscalização, na visão relatada por Citadini, estaria a “ausência de justificativas e de demonstrativos evidenciando a necessidade para formalização deste ajuste, principalmente tendo em vista que o objeto deste é o mesmo do Convênio SUS, cujos repasses são feitos Fundo a Fundo (Federal para o Municipal) e os pagamentos realizados pela Prefeitura ao Hospital pelos serviços prestados”.
Citadini narra ainda “ausência de Plano de Trabalho, descrevendo as atividades efetivamente a serem realizadas com os recursos do Convênio, definindo metas, objetivos e custos envolvidos”, e “ausência de notificação ao Poder Legislativo sobre a assinatura do Convênio”.
É apontada também a “ausência de justificativas aceitáveis para as prorrogações do Convênio, e para o acréscimo do valor, no caso do Termo Aditivo 03/2017”, deficiências na qualidade das informações na prestação de contas, falta de relatório sobre as atividades desenvolvidas com as verbas públicas, entre outros apontamentos.
O conselheiro Citadini citou ainda irregularidades estruturais no hospital, identificadas em 2015 e 2016 após denúncias, seguidas de inspeção pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) e Vigilância Sanitária. Parte dos apontamentos foram e/ou estão sendo sanados pelo Hospital, após uma pactuação onde também se comprometeram a Prefeitura de Adamantina e o Centro Universitário de Adamantina (UniFAI), objeto de ação civil pública que tramita na Comarca de Adamantina (mais informações abaixo).
As posições da Prefeitura, Santa Casa e assessoria técnica do TCE/SP
Nos autos dos procedimentos de fiscalização e após a constatação dos pontos críticos, o TCE/SP notificou os representantes legais da Prefeitura e Santa Casa.
Em linhas gerais, conforme narra o relatório de voto do conselheiro Antonio Roque Citadini, a administração municipal se manifestou afirmando que as justificativas para o repasse dos recursos se apresentavam no projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal. “(…) a razão era de reforçar os recursos para a execução dos serviços, uma vez que aqueles repassados pelo SUS não suprem a totalidade das demandas”.
Ainda, “a Prefeitura admitiu as ausências do relatório de atividades desenvolvidas e do comparativo entre metas propostas e resultados alcançados; afirmou que os repasses foram integralmente utilizados na manutenção dos serviços; com relação às notas fiscais genéricas, informou ter orientado os gestores da Santa Casa para que providenciassem as indicações solicitadas; assim como, abertura de conta específica; afirmou que os apontamentos do CREMESP e Vigilância Sanitária já foram sanados; e, expôs que estavam trabalhando para o atendimento dos prazos na remessa de ajustes”.
O relatório também menciona a manifestação dos representantes da unidade de saúde fiscalizada. “Por sua vez, os provedores da Santa Casa alegaram ser o único hospital do Município e que o Convênio era apenas reedição de um já existente há anos.
Salientaram que o valor repassado sempre foi aplicado no custeio do Pronto Socorro, o qual tem sido insuficiente frente aos custos”.
Já a Assessoria Técnica do TCE/SP, após análise dos aspectos levantados pela fiscalização e a manifestação das partes, “opinou pela irregularidade do Convênio e de seus aditivos, especialmente em face da inexistência dos demonstrativos de custos e estipulação de metas, bem como da ausência de Plano de Trabalho específico, não sendo possível mensurar a efetividade e o cumprimento de metas e etapas de sua execução, comprometendo, outrossim, a verificação das prestações de contas”.
Em relação às prestações de contas, a “Assessoria destacou que, apesar de não vislumbrar desvios, prejuízos ao erário ou indício de malversação dos recursos, tendo sido os valores aplicados na finalidade contratada, os documentos e justificativas encartadas aos autos revelaram-se insuficientes para afastar as falhas, propondo o julgamento irregular da matéria”. O TCE/SP não pediu a restituição de valores.
O voto do conselheiro Citadini e o acórdão do TCE/SP
Ao final do relatório, é descrito o voto do conselheiro Antonio Roque Citadini:
“Destaco que os recursos repassados pela Municipalidade de Adamantina à Irmandade da Santa Casa Misericórdia visaram suportar despesas com serviços especializados médico-hospitalares, ininterruptamente, de Pronto Atendimento aos munícipes.
Verifico que o Município possui Gestão Plena do Sistema de Saúde, percebendo os recursos do SUS – Sistema Único de Saúde – mediante transferência da União (fundo a fundo).
As justificativas ofertadas em face da questionada similaridade do objeto entre o Convênio SUS e o ora examinado, tentaram esclarecer que os recursos decorrentes daquele (Convênio n.º 16/2015) foram destinados a casos não passíveis de serem tratados no âmbito do Pronto Socorro, os quais demandavam internação dos pacientes na Santa Casa, enquanto que o Convênio em tela (Convênio n.º 02/2015) tinha por objeto os serviços de urgência e emergência realizados exclusivamente no Pronto Socorro.
Entretanto, apesar das alegações trazidas no bojo destes feitos, entendo que a ausência de informação sobre as metas quantitativas no Convênio nº 02/2015, bem como do Plano de Trabalho específico, com os objetivos, metas e custos, não permitem mensurar a efetividade do ajuste, cotejar o estabelecimento e cumprimento de citadas metas e as etapas para sua execução com os resultados atingidos.
Ademais, no tocante aos termos aditivos, saliento que, ainda que a falha relativa à ausência de justificativas para as prorrogações realizadas pudesse ser relevada, ante o caráter continuado da prestação de serviço de urgência/emergência, os desacertos apurados no Termo de Convênio têm o condão de comprometê-los acessoriamente.
Quanto às prestações de contas, os argumentos encartados não lograram êxito em afastar os desacertos de maior relevância, tais como a não apresentação do relatório de atividades desenvolvidas; não definição de metas, objetivos e custos e, especialmente o do Plano de Trabalho específico, além da apresentação de documentos fiscais genéricos em alguns aspectos, sendo tais irregularidades, a meu sentir, suficientes para macular o examinado.
No mais, deixo de condenar à restituição do total dos valores repassados por não restar comprovado nos autos que os serviços não foram satisfatoriamente prestados.
Face o exposto, encurto razões, acolho as manifestações dos Órgãos Técnicos da Casa e voto pela irregularidade do Termo de Convênio nº 02/2015, dos Termos Aditivos nºs 01/2016; 01/2017; 02/2017; 03/2017; 01/2018; bem como das Prestações de Contas relativas aos exercícios de 2015; 2016, 2017 e 2018, com acionamento dos incisos XV e XXVII, artigo 2º, Lei Complementar nº 709/93.
É o meu voto.
São Paulo, 23 de março de 2021.
Antonio Roque Citadini
Conselheiro relator”
Após o relatório de voto, foi publicado o acórdão do TCE/SP, julgando irregulares o Termo de Convênio nº 02/2015, os Termos Aditivos nºs 01/2016, 01/2017, 02/2017, 03/2017, 01/2018, bem como as prestações de contas relativas aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018:
“Considerando o que consta do Relatório e Voto do Relator, conforme Notas Taquigráficas, juntados aos autos, a E. Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sessão de 23 de março de 2021, pelo Voto dos Conselheiros Antonio Roque Citadini, Presidente e Relator, Edgard Camargo Rodrigues e Sidney Estanislau Beraldo, decidiu julgar irregulares o Termo de Convênio nº 02/2015, os Termos Aditivos nºs 01/2016, 01/2017, 02/2017, 03/2017, 01/2018, bem como as Prestações de Contas relativas aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018, com acionamento dos incisos XV e XXVII, artigo 2º, Lei Complementar nº 709/93.
Presente a Procuradora do Ministério Público de Contas, Dra. Letícia Formoso Delsin Matuck Feres.
Publique-se.
São Paulo, 07 de abril de 2021”.
Adequações estruturais
Parte dos pontos críticos apontados pelo TCE/SP, sobretudo referentes às denúncias estruturais, foi encampada na Ação Civil Pública nº 1002842- 28.2016.8.26.0081, que tramita junto ao Poder Judiciário da Comarcar de Adamantina, que formalizou uma pactuação entre o Hospital, a Prefeitura de Adamantina e o Centro Universitário de Adamantina (UnIFAI), para investimentos estruturais na unidade de saúde. Por meio desse ajustamento, foram realizadas melhorias, ampliações e investimentos, como a construção da nova UTI, aquisição de equipamentos e atualmente as obras de ampliação do pronto-socorro.
Também por meio da pactuação, mediada pelo Ministério Público e Poder Judiciário, houve a chegada dos freis da Associação Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus, que desde janeiro de 2018 fazem a gestão da Santa Casa. No atual momento é feita a transição para que os freis assumam plenamente a administração da unidade de saúde, com a incorporação do patrimônio à Associação.
Fonte: Siga Mais