“Hoje, eu tenho um único interesse: comprar as concessões dos canais 2 e 9, cassados pelo governo no ano passado. Meu objetivo é ter uma emissora, E VOU TER. Comecei minha carreira como locutor, como um soldado, e gostaria de terminar como um marechal. Só no dia que eu tiver uma emissora de TV me sentirei realizado. Se perder algum dinheiro nisso, não faz mal.”
A declaração foi dada por Silvio Santos em abril de 1971, durante entrevista à revista Veja —uma das poucas que ele concedeu ao longo das décadas de vida pública. Por decisão dos militares, no entanto, o pedido para ficar com as autorizações que outrora pertenciam à extinta TV Excelsior foi rejeitado.
Mas ele não desistiu. Anos depois, em 1975, após um longo, difícil e contraditório processo, o comunicador finalmente conseguiu a concessão do canal 11 (TVS), do Rio de Janeiro. A batalha está descrita no livro Silvio Santos: a biografia (2017), de Marcia Batista e Anna Medeiros.
E tem sido assim, do jeito dele, desde o início. Senor Abravanel, que no sábado (12) completa 90 anos, é o arquiteto de uma das trajetórias mais bem-sucedidas no Brasil. De camelô, aos 14 anos, a bilionário e uma das figuras mais populares da história dos meios tradicionais de comunicação, ele construiu um império e uma imagem que ocupam espaço relevante no imaginário de milhões de pessoas, de diferentes gerações —gostem disso ou não.
Entretanto, quem é o homem por trás do mito? O R7 Estúdio mergulha em hábitos, rotinas, manias, conquistas, qualidades e defeitos do maior nome vivo da televisão brasileira. E, com a ajuda de documentos, textos, relatos de pessoas próximas, profissionais e apresentadores de TV, sai em busca de respostas que ajudem, ainda que em partes, a desvendar um pouco mais sobre o empresário, o comunicador e o ser humano.
É do escritório, em casa, no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, há nove meses, que ele dá ordens, analisa balanços e controla cada passo importante envolvendo os negócios do Grupo Silvio Santos (conglomerado formado por dezenas de empresas, entre elas: SBT, um hotel de luxo e uma marca de cosméticos). Recluso desde março, por conta da pandemia do novo coronavírus, é por telefone que Silvio delega funções e se faz presente, mesmo que à distância.
“Ele não é de falar com todo mundo. Ele liga para o Rafael Larena [assessor direto] todos os dias. E faz isso também com algumas outras pessoas. Ele faz com que se distribuam, entre as áreas e as produções, as coisas que ele decidiu”, conta o colunista de TV Flavio Ricco, que acredita que a fase não deve estar sendo nada fácil. “É de imaginar o desespero. Eu acho que, para ele, está sendo um período de muito sacrifício. A vitalidade dele sempre foi de estar trabalhando.”
O hábito de cuidar de perto dos investimentos é antigo. Em 1982, a TVS realizava o primeiro debate político da TV brasileira. À época, Franco Montoro e Reynaldo de Barros disputavam o governo de São Paulo. No entanto, com a chegada da data do evento, Silvio ficou apavorado com a possibilidade de perder a concessão que havia conseguido após uma longa batalha e, pela primeira vez, foi aos estúdios da Vila Guilherme, zona norte da capital paulista, para acompanhar o embate.
“O Silvio avisou a gente que, se alguma coisa inadequada fosse falada ali, ele mesmo tiraria o programa do ar. Ele mesmo apertaria o botão para tirar do ar. No fim, o debate foi legal e deu uma audiência maravilhosa. Ele fez questão de descer para o estúdio, tomou conta da festa e disse: ‘Se eu soubesse que seria assim, eu nem teria ficado preocupado. Já estaria dormindo’”, lembra Ricco, que trabalhou na TVS e no SBT.
Mas o medo era justificado. Márcia Batista e Anna Medeiros contam na biografia dele que foi preciso envolver um verdadeiro batalhão de aliados para que Silvio pudesse finalmente colocar em funcionamento o próprio canal. Mesmo com apoio popular, ele teve que “provar para o governo que possuía conhecimento e planejamento para montar a estrutura que tal empreitada” exigia à época.
Programas de televisão são negócios para ele desde a estreia como apresentador, em 1960, na TV Paulista, de São Paulo. O empresário alugava horários na grade e, com isso, era responsável pelos gastos e lucros da atração.
“O Silvio sempre se colocou, além da figura como apresentador, como um empresário. Nessa época, ele já era empresário. Ele tinha um programa como um negócio dele”, completa Flavio Ricco.
Fonte: R7