Não me recordo a partir de quando o tic tac do relógio começou a ter importância em minha vida.
Quando crianças, não percebendo o que, na verdade, ocorre, desejamos crescer o mais rápido possível e tomar as rédeas de nossa existência!
As imaginações de nossa época mais pueril, rodeadas de sonhos e expectativas insontes, não nos permitem alcançar a cortina que se abre à medida que nossos olhos são clareados pela aptidão.
O fato é que, ao nos darmos conta do imutável vasão da ampulheta, que inexoravelmente nos cobra urgência, queremos viver e viver, sorver cada segundo, mas isso se dá somente após muitos anos, quando já o passado é imenso e o futuro, quem o sabe?
Agora com mais de seis décadas de existência, tenho me deparado com o desejo de armazenar o máximo possível de lembranças, imagens, sons, palavras rabiscadas num cantinho do papel, pequenas recordações (tesouros preciosos).
A celeridade do relógio nos faz valorizar tudo o que antes não passava de um detalhe e então, aquelas rosas, que após uma semana seriam jogadas no lixo, irão carinhosamente ser guardadas em páginas de livros.
As flores na janela, a água com néctar, atraem os passarinhos, sendo responsáveis por meu despertar nas manhãs e pelo primeiro sorriso de felicidade.
Quero abrir as gavetas da mente e do coração, acumular o brilho reluzente das águas do mar com o reflexo do sol, olhar aquele céu perfeitamente preparado para receber a lua e as estrelas. Quero o som dos beija-flores, dos besouros, do bater de asas das garças.
Se conseguir, depois vivê-los de uma só vez, sem esquecer, nem, perder qualquer nuance. Ah! Seria de inestimável valor!
Estive no restaurante em uma ilha e conversávamos animadamente com as pessoas à mesa, e somente ao levantar para sair, deparei-me com um espetáculo maravilhoso da praia e o pôr-do-sol.
Como pude perder isso?
Fiz a pergunta a mim mesma, em tom audível, e todos olharam para o cenário.
Não sei se alguém sentiu o mesmo que eu, mas foi como se tivesse perdido algo que de nenhuma outra maneira conseguirei repor. A beleza estonteante daquele instante fez valer todo aquele dia.
O tempo não para, é verdade, mas podemos parar e calar diante do espetáculo da vida que nos rodeia.
Solange Lisboa
11/11/2024
@sollisboapoeta