10 de abril de 2024

Metamorfoses

Metamorfoses

Desde criança, sempre gostei de mudanças, ao contrário da maioria das pessoas, gostava inclusive, de mudar de casa, mas como nossa casa era própria, só mudamos uma vez e fomos morar com minha avó paterna. Por questões financeiras, meu pai iria alugar a nossa; para mim foi uma grande aventura, possibilidades de novos sonhos, e os encantos na nova morada.

No coração de criança, toda aquela bagunça da dormida improvisada na primeira noite, móveis acumulados, era como se estivesse acampando em um bosque, tudo era um deslumbramento.

Na casa da minha infância tínhamos um jardim, que lhe ocupava totalmente a frente; era uma casa grande de madeira pintada de branco com as janelas azuis; o cercado era de ripas, muito bem cortadas e pintadas de branco, pelo meu pai.

Foi ali naquele pequenino éden, onde aprendi a admirar e amar a natureza; conheci as flores, suspiros, Margaridas, Terezinhas e Onze horas; os besouros, as saúvas, as abelhas e borboletas; havia borboletas que eu dizia que eram gêmeas, elas andavam juntas, tinham as mesmas cores e faziam uma coreografia encantadora sobre o jardim; e ainda as grandes, que tinhas asas azuis e diversas cores brilhantes que me encantavam.

A casinha da minha avó era bem humilde, como a nossa, mas possuía somente três cômodos; para os adultos deve ter sido muito difícil, mas para mim, era a minha primeira peripécia e tudo era emocionante, especialmente, por conta de um imenso quintal, cheio de árvores.

Vivi ali muitos bons momentos, inclusive comecei a pintar, usando aquarela, pincel e papel comum (até em folha de papel pautado). Meu pai fez para mim, uma inscrição pelo correio para o Instituto Universal Brasileiro, em um curso de desenho e pintura, mas os materiais eram caros e como não era considerado coisa de primeira necessidade, tive que esquecer. Hoje pinto com as palavras.

Os anos passam depressa; num momento estamos casando-nos, constituindo família, construindo a nova casa, trabalhando duro para mantê-la, e no outro, os filhos crescem e se casam e num piscar de olhos somos avós! A vida muda o tempo todo, nenhum dia se repete, por mais que achemos que nada acontece, a vida corre lá fora e, se nem ao menos olharmos à janela, a perderemos sem perceber.

E foi assim, que para mim, se passaram muitos anos, com os olhos atentos aos trabalhos, coisas que consideramos importantes, que é, como se estivesse tudo em preto e branco e não houvesse mais jardins, nem borboletas, nem sonhos infantis.

No entanto, tudo nesse mundo passa, e a minha existência foi ganhando cor e, a esperança criou asas, como as borboletas do meu pueril jardim.

Nos últimos quatro anos, minha vida mudou completamente, a cor do céu foi voltando, os rios, as flores e as canções, começaram a fazer parte dos meus dias. E vieram as mudanças de casa, de estado, de igreja, de amizades e de pensamentos.

A maior mudança foi da minha casa interior, como se a minha pele e os meus conceitos não me coubessem mais, e o ar dos meus pulmões já não fosse suficiente para manter-me na direção. Refiz a pintura das paredes, revi minhas gavetas e arquivos, retirei a poeira que cobriam os meus sonhos e desejos, bati o pó dos meus velhos livros de poesia e descobri um universo dentro de mim, que já não poderia ficar no abandonado desvão.

As paisagens das minhas ruas mudaram tanto. Há céu azul em todos os lugares para onde desvio o meu olhar, e há lua pelas janelas do apartamento do terceiro andar. Hoje há passarinhos bebendo água, nessa nesga de céu, constituindo a mais bela visão quando acordo de manhã. Não gosto de blecaute, então a claridade do dia me acorda aos primeiros raios do sol.

Tenho pressa de pensar e escrever, pressa de respirar e viver cada minuto. Não posso mais perder tempo com coisas inúteis. Absorvo, com os olhos de alegria, todas as nuances de manhãs, que possuem uma beleza que nunca tinha experimentado, percebido ou havia esquecido, durante anos.

Finalmente percebi que a alegria de mudar, que sempre senti, desde a infância, era essa necessidade de aperfeiçoar, e saborear a breve vida que nos é concedida, com data de início e sem previsão de fim.

Então nesse intervalo, podemos colocar nossos papeis de parece, abrir janelas no teto, pintar cada cerca de uma cor diferente, mudar a cama de lugar, cantar nossas músicas, correr, subir montanhas, comer chocolates, batatas fritas, amar de verdade, sem medo, dizer que amamos, demonstrar, viver intensamente enquanto é tempo, enquanto a janela está aberta, enquanto a cortina não se fecha, enquanto durar o ar nos nossos pulmões e nossas lentes do coração puderem registrar as últimas imagens de uma existência cheia de vida. Viver tudo intensamente…

E então, mudaremos… sem levar arrependimentos, só saudades!

 

Solange Lisboa

Escritora/poeta

09/04/2024

@sollisboapoeta

[email protected]

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