Chegar a uma farmácia, pedir um medicamento pelo nome do princípio ativo — por exemplo, losartana, metformina ou sinvastatina — e optar pelo mais barato faz parte da rotina de milhões de brasileiros. Poucas são as pessoas que compram sempre o mesmo. Mas a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que não se deve trocar o fabricante de medicamentos genéricos e similares durante tratamentos.
Para entender por que a agência reguladora de medicamentos do Brasil dá essa orientação, primeiro, é preciso saber como funciona o processo de aprovação de genéricos e similares.
Boa parte dos medicamentos mais consumidos no país já tem a patente expirada, o que significa que um ou mais laboratórios podem produzi-los sob forma de genérico ou similar (veja a diferença no infográfico abaixo).
Para aprovar um medicamento novo (referência), o desenvolvedor precisa seguir um longo e custoso roteiro de estudos clínicos que comprovem a segurança e a eficácia daquele fármaco. Os resultados são submetidos à Anvisa, que defere o registro.
O laboratório detentor dessa patente tem exclusividade no mercado por um período que varia de 15 a 20 anos.
Passado esse prazo, a fórmula do medicamento, então, é liberada para as empresas interessadas em produzi-lo.
A farmacêutica que desejar fabricar um genérico ou similar vai precisar demonstrar à Anvisa, por meio de estudos novos científicos, que o produto dela é intercambiável com o da empresa detentora da patente do primeiro medicamento desenvolvido para aquela doença, o chamado referência.
“A intercambialidade, ou seja, a segura substituição do medicamento de referência pelo seu genérico, é assegurada por testes de equivalência terapêutica, que incluem comparação in vitro, através dos estudos de equivalência farmacêutica e in vivo, com os estudos de bioequivalência apresentados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, explica o órgão regulador em seu site. O mesmo vale para os similares.
Com mais medicamentos disponíveis, existe a concorrência, e os preços baixam.
A losartana, por exemplo, um dos remédios mais prescritos para pessoas com hipertensão, é produzida por 22 laboratórios no país, a maioria em versões genérica e similar, que não devem ser trocadas entre si durante um tratamento.
“Os medicamentos genéricos não podem ser considerados intercambiáveis com os similares, nem os genéricos podem ser intercambiáveis entre si, nem os similares podem ser considerados intercambiáveis entre si, porque eles não fizeram essa demonstração experimental”, diz a Anvisa em nota.
A agência ressalta que, como há diversos genéricos e similares no mercado, é inviável fazer testes de intercambialidade de um com o outro, pois seriam centenas de possibilidades.
Apesar de terem o mesmo princípio ativo, fabricantes de genéricos e similares têm diferentes fornecedores de matérias-primas, os processos de produção e controle de qualidade também podem ser distintos, além de haver variações na tecnologia usada na produção e nos excipientes (substâncias sem efeito farmacológico, mas necessárias para a fabricação, estabilidade e administração do medicamento).
Essas diferenças podem afetar a absorção, o metabolismo ou a eliminação do medicamento no organismo, com eventuais alterações na eficácia e na segurança da terapia.
Tratamentos que envolvam o uso de remédios biológicos (produzidos a partir de organismos vivos), por exemplo, podem ser mais sensíveis à troca, observa a farmacêutica clínica Daniani Baldani da Costa Wilson, da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
“No caso de medicamentos biológicos ou biossimilares, em que processo é o produto, apesar de terem as mesmas indicações, pelo fato de o processo de fabricação ser diferente, não se recomenda intercambiar, visto que cada paciente pode responder de diferentes formas.”
Pacientes que façam reposições hormonais — como é o caso de quem tem hipotireoidismo e toma levotiroxina — precisam estar atentos, explica o endocrinologista Rodrigo de Oliveira Moreira, diretor do Departamento de Diabetes Mellitus da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
“Teoricamente, a discussão com hormônio, principalmente o da tireoide, é que a dose do hormônio da tireoide é em micrograma, não é em miligrama. […] Ficar trocando de um genérico para o outro e de um similar para o outro, mesmo sabendo que são pequenas as diferenças, quando a gente fala de microgramas, essas diferenças podem ser significativas.”
O especialista cita outro exemplo ainda mais comum, no caso das mulheres.
“Você às vezes tem anticoncepcional similares, com a mesma quantidade de hormônio, também em doses muito baixinhas, em microgramas. Se resolve trocar de um para o outro, não pode afirmar que está com a mesma dose do anticoncepcional, a mesma dose do hormônio. Também é uma troca que a gente não recomenda, ou quando faz a troca, você avisa para esperar pelo menos dois meses para ter certeza de que está adequada aquela dose.”
Pacientes em tratamento psiquiátrico também costumam ser instruídos a comprar medicamentos sempre do mesmo laboratório e marca (se for um similar), a fim de manter os níveis sanguíneos de determinado princípio ativo sem alterações.
Entretanto, há casos em que os médicos orientam os pacientes a comprar medicamentos de referência (mais caros), um tema que divide opiniões entre a categoria.
Profissionais ouvidos reservadamente pela reportagem dizem que não faz sentido esse tipo de prescrição, uma vez que genéricos e similares são validados pela Anvisa justamente como uma alternativa mais barata.
O Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, divulgado pela SCMED (Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) no começo do mês, mostra que 70% de todos os remédios consumidos no Brasil são genéricos (41%) ou similares (29%).
O preço menor é normalmente a razão pela qual as pessoas optam por genéricos e similares.
Também existe a questão da disponibilidade, já que não é sempre que se vai encontrar o mesmo medicamento.
O que fazer, então, se você não conseguir manter o tratamento com os mesmos fabricantes e marcas?
“A recomendação é que o paciente fique atento a sinais e sintomas, com respeito ao tratamento da doença. Se o medicamento está fazendo o efeito esperado, se o paciente tem percebido algum sintoma que não sentia antes, e relatar qualquer evento que tenha percebido. Além disso, manter o acompanhamento médico é fundamental”, orienta Daniani.
Fonte: R7