Rádio Life FM

A Primeira Glória

 

Quando o Brasil tornou-se o país do futebol, nem as derrotas afetavam o brasileiro, os atletas possuíam a fé de sua torcida e qualquer revés era capricho das coisas.

 

Ele tinha uma certa função cômica, satírica, de corrigir os homens. O resultado, negativo ou positivo, demonstrava o quanto era possível que o país pudesse estar em organização na sua moral, na saúde, física ou espiritual.

 

As pessoas diziam: o futebol é o ópio do povo. E o povo, a cada jogo, a cada encontro de suas equipes fazia a sua autocorreção.

 

A capacidade de se adaptar era reconhecida como nosso maior mérito.

Qual adversário, afinal, diria com exatidão como anular Pelé, Garrincha, Zico e Ronaldo?

 

O adversário não achava solução e preferia que a sorte tomasse a decisão do que ser vazado pelas pernas. O setor público conhecia, então, a vocação do brasileiro.

 

Estive pensando no primeiro prodígio de jogador que conheci na minha infância, todos o chamavam de Marcinho. Um nome delicado demais que a sala de aula o guardava em demasiado mimo.

 

Naquela época, parecia que todos os adolescentes tinham uma facilidade imensa de jogar bola e as mães criavam rugas de vergonha (e um certo orgulho inconfesso) de seus filhos.

 

A mãe do Marcinho sempre dizia: meu filho quer ser jogador de futebol para ajudar a família; porém, logo advertia: “mas precisa estudar”. Nunca estudara tanto na vida.

O menino em questão era tido como um gênio pelos outros que conheciam seus feitos na quadra. Quero ser como o Pelé;, falava o garoto como se fosse o rei.

 

Um dia, encontrei-o engraxando sapatos na rodoviária (antigamente os engraxates tinham mais relevância para o movimento rodoviário do que os próprios motoristas de ônibus) e para todos os clientes falava a mesma coisa: “faço a mesma profissão do Pelé”, fazia essa breve anotação como se fosse a única maneira que conhecia de se comunicar entre os seus.

 

De repente, começou a ser chamado de mini Pelé; pelos clientes e todos os homens ficaram seus amigos. Antes do polimento, cada um queria saber o novo ato futebolístico que ele havia praticado na semana. “Como foi o jogo, mini Pelé?”. O garoto de breves olhos reluzentes e passos efêmeros tornavam-se conhecido.

 

Mas é preciso dizer: ninguém o admirava pelo futebol. Ninguém. Alguns, até mesmo, nem sabiam que ele era um prodigioso futebolista da cidade.

 

As pessoas o elogiavam a beira da quadra quase cegamente, sem conhecer direito o menino.

 

O nosso mini Pelé embolsou elogios como um verdadeiro ambulante e todos eles serviram para tornar-se adulto precocemente. Eis a verdade: o futebol deu a ele o que qualquer outro trabalho seria incapaz de retribuir e o público fazia a sua glória.

 

Mais do que qualquer um, aquele menino já tinha um futuro garantido na Agricultura, Cultura ou Trabalho, como se ninguém fosse mais confiante do que o nosso pequeno diamante.

 

Eis o que eu queria dizer: o futebol atual está promovendo o jogador antes mesmo do público.

 

Os colegas da escola, os clientes no engraxate ou a mãe de sentimentos graves desapareceram da vida dos atletas. E agora quem o descobre? – Eis a questão: quem avista o futuro craque brasileiro?

 

A verdade, meu caro amigo, é que nunca antes o aspirante a jogador ficou tão abandonado de seu público, tão ausente das quadras e dos gramados.

 

Alessandro Caldeira / Jornalista e Redator

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