21 de junho de 2019

A Democracia em Vertigem e a transição da esperança para o medo – Carlos Eduardo Bertin – Coluna Opinião

A Democracia em Vertigem e a transição da esperança para o medo - Carlos Eduardo Bertin - Coluna Opinião
Carlos Eduardo Bertin - Coluna Opinião

A Democracia em Vertigem e a transição da esperança para o medo

Houve um dia em que sonhamos e por alguns anos acreditamos que esse sonho estava próximo da realidade. No entanto, acordamos assustados e percebemos que tudo aquilo se tornou um pesadelo. Ao levantarmos da cama, sentimos uma vertigem e caímos observando, também, a queda de uma presidenta eleita democraticamente, a prisão de um ex-presidente, a violação do Estado de Direito e, consequentemente, o fim das nossas esperanças.

Em 01 de janeiro de 2003, as pessoas que foram ao Palácio do Planalto para assistir à posse do presidente Lula carregaram em suas faixas, bandeiras e sorrisos, os sonhos e o desejo de uma nação soberana e inclusiva.

Em pouco tempo, os pobres passaram a se alimentar três vezes ao dia, a taxa de emprego cresceu, o filho da empregada, do eletricista, do pedreiro e os negros começaram a frequentar as universidades e outros espaços simbólicos que, até então, eram restritos à classe média. Com isso, percebemos que corpos estranhos causam desconforto e geram medo naqueles que sentem que seus privilégios estão sendo ameaçados. Desse modo, a única solução viável para eles é atacar, diminuir e impedir que os que sempre estiveram nas camadas mais baixas chegam ao mesmo degrau.

riam as manifestações de junho de 2013. Tempos depois, percebemos que os monstros nunca estiveram dentro da caixa, e sim nas mesmas festas, nas mesmas rodas de amigos e em nossas famílias. Eram pessoas que em debates nas salas de aula diziam sustentar nordestinos, que publicavam em suas redes sociais o mapa do Brasil com características negativas que “representavam” cada estado (com exceção do estado de São Paulo) e que, em outubro passado, faziam sinal de armas, tudo em nome de “Deus”.

Na última quarta-feira, 19, a Netflix lançou o documentário “Democracia em Vertigem”, dirigido pela cineasta Petra Costa, no mesmo dia em que o ministro da Justiça e ex-juiz federal, Sérgio Moro, participou de audiência no Senado sobre o vazamento das conversas com o procurador Deltan Dallagnol. Conversas que colocam em xeque a legitimidade (isso pra quem acredita que há alguma legitimidade) da operação Lava Jato e demonstram a forma antiética como agiram para prender o ex-presidente Lula e evitar que ele concorresse ao pleito eleitoral de 2018. Em uma produção muito intimista, a cineasta nos aproxima de momentos marcantes de um processo que destruiu vidas, dignidades, trajetórias, sonhos e colocou em risco um regime democrático que estava a caminho de sua consolidação.

Nos dias de hoje, as democracias morrem, mas não com golpes militares ou tomadas violentas de poder. Como afirmam Levitsky e Ziblatt, elas “morrem, mas por meios diferentes”. No caso do Brasil, as instituições que deveriam assegurar a democracia são suas maiores inimigas e contam com uma grande aliada: a mídia hegemônica. Diante disso, sustentaram um impeachment sem crime de responsabilidade fiscal e condenaram um ex-presidente sem provas. Como recompensa, os vilões que agiram de forma arbitrária ganharam status de herói e cargos importantes em um governo que se apresenta como o maior inimigo da democracia.

Como elucidam os autores¹ de Como as democracias morrem, o “retrocesso democrático hoje começa nas urnas”. Nesse sentido, a população vestida de verde e amarelo foi às urnas para eleger um presidente antidemocrático, que prega a violência, retira direitos, corta verbas de setores fundamentais, censura comerciais e dissemina o ódio por meio de discursos e mensagens pelo Whatsapp.

“A Democracia em Vertigem” é essencial porque evidencia a transição de uma época em que tínhamos esperança para uma época em que o ódio propalado nos faz sentir medo, de um tempo em que a democracia parecia se fortalecer para um tempo em que assistimos ela entrar em colapso.

A autora do documentário publicou em seu Twitter que o silêncio forçado de Lula é ensurdecedor. Isso porque, no momento, o ex-presidente não pode se manifestar pelas redes sociais ou outros meios. Entretanto, nós que podemos dizer algo ficamos mudos, pois, depois da vertigem que sentimos ao assistir ao documentário, precisamos de um tempo para nos recompor.

1. Referência:
Levitsky, Steven; Ziblatt, Daniel. Como as democracias morrem. São Paulo: Zahar, 2018.

Por Carlos Eduardo Bertin*
*Jornalista, Publicitário e Mestre em Comunicação Social

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