10 de janeiro de 2025

Deus dá asas para quem não sabe voar. Luciana Magno

Deus dá asas para quem não sabe voar. Luciana Magno

“Deus dá asas para quem não sabe voar” foi o que disse uma senhora que esperava para aplicar uns fios a mais na sua rala cabeleira, enquanto a cabeleireira cortava meus longos e sedosos cachos cor de mel. Não conseguiu compreender o porquê de uma jovem entrar em um salão, cheia de saúde nos fios e simplesmente dizer — “quero cortar bem curtinho e pintar de roxo” — como se fosse a coisa mais natural do mundo! E ela ali, ansiosa por alongar e clarear os seus. Tivesse ela nascido com aquelas asas!

Há tempos eu sonhava em fazer isso! E fiz. Agora, a imagem que eu via no espelho nada parecia com a menina tímida e desconfiada que, tomada de um instante de coragem, há pouco entrara ali. Ainda procurei por um bom tempo naquelas enormes paredes espelhadas o meu ar meio comportado, sempre querendo ser hippie. E, como sabia, desde o momento em que coloquei o primeiro pé no salão, não encontrei. Também teria sido cortado?

Entrei com o cabelo quase cobrindo o bumbum. Saí com ele curtinho, pintado de uma cor entre o vermelho e o rosa, quase cereja. Feliz até, não muito pela aparência, ainda estava meio chocada com a nova mulher que agora eu encarava no espelho. Feliz pela coragem. Mudar é sempre bom.

Em casa, uma boa bronca da mamãe foi o suficiente para colocar milhões de dúvidas e arrependimentos na minha cabecinha comportada de aparência moderna. Mudança radical, comportamento agressivo, rebeldia…

E lá estava eu novamente, aceitando os rótulos impostos pela sociedade mais próxima, a família. Lá estava eu, outra vez deixando crescer a lista da culpa, aquela que fica na última página, bem escondidinha, do livro que é aberto quando nascemos. Página que tentei cortar junto com os cachos. “Deus dá asas para quem não sabe voar”. Foi quando escutei novamente a frase, desta vez pronunciada pela minha mãe, que parei para pensar:

Ninguém pergunta se queremos “asas” ou não. Simplesmente nos dão. Isto é um destino. Todos temos asas. Então, por que interferir no uso ou desuso da asa alheia? Que mania terrível, o humano tem de querer mandar na asa do outro! Já perdi as contas de quantas vezes me obriguei a procurar, em vão, no meu livrinho da vida, por algum manual que ensinasse o correto uso das asas. E apesar de estar, creio eu, no início do livrinho, aprendi que o manual das minhas asas só eu posso escrever, ou não.

 

Texto de Lú Magno

Artista Visual

Mestrado pela UFPa.

 

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