19 de dezembro de 2024

Rede hídrica da Nova Alta Paulista. Para que serve essa riqueza natural em tempos de crise climática?

Rede hídrica da Nova Alta Paulista. Para que serve essa riqueza natural em tempos de crise climática?
Região terá material didático inédito, com previsão de ser apresentado à rede municipal e estadual de ensino em 2025

Sendo o Brasil um país farto em águas doces superficiais, as inúmeras e curtas linhas azuis que “bordam” a Nova Alta Paulista podem passar despercebidas. Um olhar atento, no entanto, desperta vários questionamentos. O mapa traz a rede hídrica da porção média e baixa do espigão divisor Aguapeí e Peixe, onde se localizam os 30 municípios que compõem a Nova Alta Paulista. As linhas pretas delimitam a área territorial dos municípios, indicando aqueles com mais e com menos nascentes e corpos d´água, todos tributários do rio Paraná.

O mapa foi elaborado pelos professores doutorandos Elias Azevedo da Silva e Tiago Rafael dos Santos Alves para ilustrar um material didático inédito, com previsão de ser apresentado à rede municipal e estadual de ensino da região, em 2025. O material está sendo desenvolvido por um grupo de professores de várias cidades, com recursos da Lei Aldir Blanc. De grande importância na formação do cidadão, os estudos do lugar não aparecem no livro didático, cuja função é apresentar informações genéricas. Dessa forma, há várias iniciativas pedagógicas voltadas à elaboração de material didático com abordagens específicas, destacando a realidade próxima. São os chamados materiais paradidáticos, que complementam o livro didático com assuntos de interesse de uma determinada comunidade.

 

Nasce o primeiro material didático para estudos locais e regionais

 

A Nova Alta Paulista terá o seu próprio material didático, que poderá ser aplicado no ensino fundamental I e II e no ensino médio, seguindo os parâmetros da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Currículo Paulista, dando segurança ao professor, aos alunos e a seus familiares. Nesta proposta, todos os componentes curriculares foram contemplados, porém, história e geografia têm papel relevante por se tratar da formação espaço-temporal, econômica, social, política e cultural dessa pequena porção do território paulista, cuja população carinhosamente a considera como uma região.

 

Particularidades da Nova Alta Paulista

 

Ao nos debruçarmos sobre questões regionais, com o objetivo de transcrever vários assuntos para uma linguagem didático-pedagógica, procuramos destacar aspectos que nos distinguem da realidade maior. Nos localizamos no oeste paulista, porém, temos particularidades que definem as nossas identidades. Uma delas é o fato de os trinta municípios estarem localizados no paralelo 21, surgindo daí a denominação e a marca Latitude 21.

Outra é a conformação paisagística entre dois rios: o Aguapeí e o Peixe, que nascem nas proximidades de Garça e correm para oeste, em direção ao rio Paraná. Fazendo parte das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) 20 e 21, a distância média entre ambos é de cerca de 60 quilômetros, formando uma paisagem única no estado de São Paulo, dando-nos uma ousada configuração como mesopotâmia paulista. A proximidade entre várias cidades seguindo a linha do espigão, é outra dessas particularidades, assim como a época e a forma de colonização por povos não indígenas, a partir das décadas medianas do século XX.

Os vales dos dois rios, por serem próximos e por influência da latitude tropical, configuram a condição geográfica que destacamos nesta breve reflexão. Quase a totalidade das águas que os alimentam nascem na parte mais alta do relevo, no chamado espigão divisor ou interflúvio, onde foram traçadas a ferrovia e as picadas que resultaram na rodovia principal.

Definidora no esquadrinhamento de várias cidades, a linha férrea divide várias urbes em duas partes. Observando o escoamento das águas pluviais, sabemos que a enxurrada corre em sentido oposto, drenando as águas para os córregos que vão para os rios Aguapeí e Peixe. Entre Herculândia e Junqueirópolis, há várias nascentes na área urbana; de Dracena para oeste observa-se que a drenagem ocorre diretamente para o rio Paraná, indicando mudança na morfologia do relevo. Perto do grande rio quase não há nascentes, atestando as planuras sedimentares, com cerca de 270 metros de altitude, em relação ao nível do mar.

 

Impactos ambientais e desafios

 

Em 2023, para as audiências públicas que ocorreram em Tupã, Adamantina e Dracena, a concessionária Eixo, responsável pelas futuras obras de duplicação da SP-294, divulgou os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impactos Ambientais (EIA/RIMA). Neles, há informações relevantes acerca da paisagem original. O trecho rastreado tem cerca de 200 quilômetros, indo de Pompeia a Panorama, sendo nele identificadas seis nascentes e 128 cursos d´água, sem registro de contaminações graves (EIXO e CETESB, 2021). Essa proporção atesta a presença média de um curso d´água a cada 1,56 quilômetros. Apesar da abundância de pequenos córregos, observa-se, a cada ano, a redução nos volumes d´água e muitos deles já secos. E esse é o ponto central dessa reflexão, uma vez que testemunhamos essa riqueza hídrica se esvaindo.

 

Um futuro incerto para as águas da Nova Alta Paulista

 

De onde vêm e para onde vão essas águas? O oeste paulista faz parte da macrobacia hidrográfica do rio Paraná, segunda maior do país em área territorial e a primeira em aproveitamento hidrelétrico. Domadas por imensos sistemas de engenharia, as quedas d´água dos rios Paraná, Tietê, Grande e Paranapanema constituem as principais alavancas do desenvolvimento urbano-industrial paulista e da região Sudeste. Fazemos parte de um complexo fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do país: a geração de energia elétrica. Nossas cidades são centros dispersores de água, que alimentam pessoas, animais e lavouras, seguindo para o reservatório da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera. Panorama e Pauliceia têm uma pequena parte do seu território submerso pela porção norte do reservatório e toda a Nova Alta Paulista faz parte de um complexo gigantesco, que envolve os terrenos localizados na bacia paranaica, as chuvas e a rede hídrica. A cobertura florestal também compõe esse complexo, porém, por aqui, ela se reduz a cerca de 2% da formação original e sua escassez já se faz sentir em tempos de crise climática.

Os impactos provocados pelo modelo de exploração econômica, especialmente em terrenos arenosos cobertos por florestas tropicais, se fazem presentes também na Nova Alta Paulista e precisamos mitigá-los. Encostas erodidas, córregos assoreados, nascentes degradadas, redução dos volumes de água, leitos secos, águas poluídas por esgotamento sanitário inadequado, entre outras insensibilidades, passaram a compor a nossa paisagem tanto rural quanto urbana.

Criamos passivos ambientais onde eles podem se transformar em vantagens comparativas, em tempos de escassez hídrica e temperaturas elevadas. A bacia do rio Paraná é a principal alavanca do desenvolvimento paulista e da região Sudeste e nossas águas são tributárias de um desses reservatórios. Investimentos na substituição de energias fósseis ocupam cientistas há vários anos; esperaremos as hidrelétricas pararem por falta de água para se pensar em substituição? E qual será ela: energia nuclear? Oferecer energia elétrica constante a complexos industriais e megacidades é tarefa gigantesca e desafiadora.

Não é hora de olhar para as nossas riquezas naturais com criticidade? Como garantir o abastecimento das nossas cidades nas próximas décadas, se o lençol freático vem reduzindo o seu volume a cada ano? A irrigação será acessível a todos os agricultores? Como garantir segurança alimentar a todas as famílias, quando o aumento nos custos de produção repassados aos alimentos impactarem ainda mais o orçamento dos menos favorecidos? Por que não pensar em políticas públicas que compensem as regiões fornecedoras de água para os reservatórios de hidrelétricas, que alavancam o desenvolvimento urbano-industrial do país?

Desenvolvimento pleno deve ser uma via de mão dupla e, desde a década de 1950, no oeste paulista, essa via é de mão única: geramos energia e não recebemos incentivos para preservar o ecossistema responsável pela formação das chuvas que alimentam os mananciais. Não é hora de reivindicarmos o sentido oposto dessa via? Para nós, que residimos na Nova Alta Paulista, como será a convivência com as nascentes e córregos nos próximos cinquenta anos?

 

 

Por Prof.ª Dr.ª Izabel Castanha Gil (FAI), Prof. Me. Elias Azevedo da Silva (EE João Brásio/Panorama/UFMS) e Prof. Me. Tiago Rafael dos Santos Alves (EE Helen Keller/UNESP Tupã), membros do Projeto Nossa Gente/FAI e da Rede de Educação Ambiental da Alta Paulista (REAP)


Revisão de Priscila Caldeira

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