26 de agosto de 2024

Seguindo em frente!

Seguindo em frente!

…Ainda respirando a tristeza do dia anterior, abriu os olhos, sem se mover. Estava num pesado torpor, como se houvesse sido submetida a uma anestesia que ainda teimava em perdurar, mesmo após muitas horas.
Os olhos moveram-se o redor, os seus membros pareciam pesar toneladas, sem nenhum ânimo para levantar-se; as cobertas estendidas sobre seu corpo, eram feitas de chumbo e sua mente ainda confusa entre pesadelo e realidade, buscava um ponto, como um porto seguro onde se apoiar para estabelecer e firmar uma ideia, um pensamento sem se sentir deslocada do mundo, como se fora arrastada ara uma dimensão paralela.
Os olhos foram atraídos para a luz que passava pela vidraça, transpunha a cortina e desenhava as sombras sobre o assoalho limpo e brilhante; vagou pelo aposento, como se hoje, nesse momento, o seu mundo se limitasse àquelas paredes.
Ouvia ao longe que os pássaros entoavam seus cantos, indiferentes ao que pudesse ter acontecido, na sua vida e na vida das pessoas que moravam naquele país; o Sol nasceu como sempre. Os pequenos besouros e borboletas sobrevoavam as flores que se deixavam apreciar por cima do muro branco.
Finalmente, Adélia ergueu-se jogando a manta para o lado vazio da cama, passou as mãos pelo travesseiro frio e a realidade foi clareando na sua mente, trazendo de volta a angústia e os horrores do dia anterior.
Era dezembro de 2023, o mundo de Adélia, acabara de ruir; a carta enviada pelas forças armadas da Palestina e ministério da defesa civil, comunicavam “com profundo pesar” que entre as baixas de guerra estava seu esposo, que fora morto durante um bombardeio efetuado por Israel, enquanto exercia sua profissão de repórter, anunciando ao mundo o que estava acontecendo naquele lugar.
Esse era o dia seguinte de sua maior tragédia e agora nem tinha forças para enfrentar a dura realidade, mas precisava enfrentar tudo que preciso fosse, para trazer de volta para seu país o corpo do seu marido, (o que sobrara dele) e “o que sobrara dela mesma” …
Como seguem as pessoas após suas inesperadas perdas?
Onde conseguir forças para dar continuidade ao caminho para o qual se prepararam e planejaram, e de repente não existe mais?
Como explicar a si aquilo que nos parece sem explicação, como a guerra?
Na verdade, não precisamos das palavras, elas empobrecem diante da dor.
Seguir é juntar os cacos, o que sobrou; arregimentando resíduos de forças que nem imaginamos possuir; procurando nas boas lembranças um fio de esperança e fazer dela a mola propulsora para uma próxima fase, curando as feridas, perdoando o passado, confiando que sempre haverá um novo dia e o sol continuará iluminando e atravessando a cortina até que ela um dia se feche, mas enquanto esse dia não chega, vamos espernear, brigar para nos manter vivos a todo custo; sorrir ainda que a estrada pareça desbotada.
Somos forjados pelas circunstâncias da vida. Sejamos corajosos e de modo algum desistamos do bem e acima desse céu cinza ou bronze, acreditemos no amor! Ele vence e ultrapassa barreiras!

Solange Lisboa
(Trecho de Seguindo em frente)
Escritora-Poeta
@sollisbopoeta
[email protected]

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